Quando fui
bancário eu tive o privilégio de conhecer um cara de quem me tornei fã e depois
amigo e durante muito tempo depois de sua morte eu não quis mais papo com
ninguém. Só agora, depois de tanto sofrimento, eu resolvi falar. Esse amigo era um sujeito
generoso, bom caráter e bastante responsável. Não queria o que não tivesse
feito por merecer, mesmo assim fazia questão de dividir com os mais necessitados.
Um dia esse cara, cujas lembranças umedecem meus olhos, atendeu o
telefone. Do outro lado uma voz aveludada o deixava bastante embaraçado.
Talvez fosse aquela a voz a mais bonita das que já tinha escutado, fora a
curiosidade que despertava nele.
- Alô! –
Disse meu amigo.
-Quem
está falando? – Perguntou a voz aveludada.
- Você
quer falar com quem? – retrucou quem atendia.
- Com o
gerente, ora bolas!
- Pois
fale, eu sou o gerente – respondeu.
- Qual o
seu nome, Senhor gerente?
- Edsonluiz.
Isso mesmo, um nome com som de dois...
- Tudo no
senhor é dobrado, senhor gerente ou só seu nome tem essa grandeza? – Novamente sussurrou a voz.
- Bem,
como eu não te conheço, não tenho como responder tamanha maledicências,
caso contrário diria que também meu nome tem essas proporções.
- O
senhor acaba de atiçar a minha curiosidade e como eu sou uma garota muito
exigente quanto a peso e medida não vou acreditar que o senhor tenha a coragem
de mostrar o que acaba de afirmar.
- De
mostrar o quê, menina? O meu nome ou a pessoa que eu sou? – Respondeu entre
sorrisos.
- Eu
quero que me mostre o que disse que era proporcional ao seu nome, bobinho. –
Retrucou com picardia.
O gerente
desligou no meio da conversa e foi ao bar para um café. Achava que agindo dessa
maneira evitaria a esparrela que se formava.
Na manhã
seguinte os telefones não paravam, até que Edinho se deu ao trabalho de
atendê-los.
- Alô!
- Posso
falar com o gerente?
- Ah,
você de novo? – Respondeu como se ela o chateasse.
- Sim,
sou eu. Ontem você desligou na minha cara. Achei uma falta de respeito o que
você fez, sabia? Por isso estou ligando em todos os telefones para ver se você
atende, caso estivesse fugindo de mim.
- Garota,
garota. O que você tá pretendendo comigo? Sim, porque, pelo que vejo você não
tem assunto para tratar com ninguém a não ser comigo. Portanto, fale agora ou vá procurar um livro
para ler, um vídeo para assistir ou então, por favor, me deixa fazer o que o
banco me paga para ser feito...
- Sabe o
que é, seu gerente? E que eu queria muito que você se encontrasse comigo, mas
tinha medo que você me dissesse não, por isso insisti nos telefonemas aguardando
o momento certo para te pedir que viesse à minha casa, já que assim eu poderia
falar e ouvir o cara de quem tenho as melhores referências e a quem aprendi a
ter grande admiração – E concluiu – Anote o meu endereço, mas não deixe de me
dizer quando e a que horas você vem me visitar. Prometo que você não vai se
arrepender...
Assim foi
combinado, e assim foi feito.
No mesmo
dia, depois do expediente, lá estava Edinho no portão da moça suando como um
colegial na primeira vez. Uma mulher magra, alta, vestindo um longo, preto, foi
recebê-lo. O sujeito não escondia o nervosismo, mesmo que ela, com um sorriso
bonito, tentasse acalmá-lo. Ele achava que ela, a mulher de preto, fosse
a garota com quem se encontraria, mas estava
enganado.
-Entre,
por favor. Andreza o aguarda desde o momento em que combinou esse encontro.
Ao ouvir
tais palavras Edinho ficou sabendo que não era com a mulher de preto que veio
se encontrar.
Nervoso,
porém firme, foi levado a um cômodo aonde, na penumbra dos aposentos, a dona da
bonita voz ordenou que entrasse. A mulher de preto os deixou sozinhos fechando
a porta às suas costas. Uma luz forte permitiu que o mais belo de todos
os sorrisos fosse notado. O mais lindo dos pares de olhos com o qual já
foi visto, fez cair-lhe o queixo. Enfim, ele estava diante da mais linda de
todas as mulheres que Deus colocou nessa terra. Era ela dona de tanta beleza
que ele nem se deu conta da cadeira de rodas em que estava sentada. Por isso a
indignação de não vê-la se levantar para abraçá-lo. Refeito do choque ou do
mico, Edinho se deixou cair de joelhos à sua frente enquanto ela, com a leveza
dos colibris beijou os lábios dele. Beijo com gosto de bala. Não da bala que
fere ou que mata, mas dos cubinhos adocicados que aromatizam a alma.
O tempo seguia o curso ao passo que ele seguia à casa dela no intuito de
sentir na boca o gosto da bala com sabor de beijo. Com essa desculpa
Edinho voltou muitas vezes até o dia em que o destino, ah, esse filho da puta
enciumado, decidiu por levá-la de sua companhia.
Ela
se foi sem que o rapaz ficasse sabendo de sua partida. A moça de voz de
gata manhosa já tinha firmado um compromisso com a morte sem o conhecimento do
bancário. Talvez todo mundo soubesse do acordo e só ele não tinha sido avisado. Da mesma maneira que ele cumpriu com a
promessa indo conhecê-la, ela também deveria ter cumprido com a dela no momento
em que se entregou à doença. Talvez por isso nela viçasse tanta beleza, e a
lucidez era tão natural que se deixou apaixonar por uma pessoa que também a amou
como ninguém seria capaz em tão pouco tempo. Andreza não só amou e lutou por aquele moço
como teve da parte dele o mais puro e bonito sentimento pelo qual ela sempre
sonhara. Ela se foi para nos deixar saudosos, inclusive a ele que meses depois
faleceu, não se sabe se de tanto amor ou de tamanha tristeza. Edsonluiz
foi um exemplo de caráter, e foi com quem aprendi o que era decência e
respeito, gratidão e vergonha.
