
Estava pronto pra sair para o seu trabalho quando a mãe telefonou pedindo urgente que ele fosse ter com ela. Pelo embargo da voz o filho presumiu a gravidade do problema.
Deixou de lado a obrigação que tinha com a empresa que o contratara e seguiu em direção à oitava casa daquela rua de onde viera o pedido de socorro. Felizmente ou infelizmente chegou a tempo de tomar no colo o corpo ainda quente do pai que falecera.
- Ele me deu um beijo no rosto, como fazia todas as noites quando ia se deitar, virou para o canto da cama e com o sorriso com o qual me conquistou dormiu o último e derradeiro dos seus sonos, disse-me a viúva enxugando os sofridos e chorosos olhos que de tão azuis faziam doer os meus.
O filho abraçou o velho em sua cama e o tomou no colo como era feito com ele nos tempos de criança para abrir o peito e gritar até perder a voz; - pai, acorda! Acorda meu pai, fala comigo! E desabou na convulsão do pranto.
- Depois de alguns anos do acontecido o mesmo jovem que seca no rosto uma lágrima atrevida, deita ao chão o olhar e jura que dos detalhes já não se lembra, mas a mesma memória que congelou na sua retina as melhores imagens do pai também congelou o seu coração que jamais perdoou a morte, por tê-lo matado. O seu pai era, como são todos os outros, um herói. Não um herói de capa, escudo e espada, mas um herói de caráter e vergonha, de honra e companheirismo. Ele era jovem quando conheceu a moça alta e loira, de olhos claros e muito bonita, quer nos dotes físicos e nos seus princípios, e que vinha de um casamento mal resolvido do qual trouxera três meninas e um garoto espevitado. O pai, agora morto, encantara, como fora encantado pelo olhar meigo da mulher nos quais vejo bondade em forma de pessoa e por conta disso escrevo a história que conto agora. Casou-se com ela em poucos meses, para torná-la e também ser feliz anos a fio, mas precisou lutar com muitos leões em sua arena e vencê-los todos. Como pedreiro construiu casas e prédios, pontes e calçadas para sustentar a mulher e os filhos que considerava seus. Deixou de comprar os bilhetes de cinema, do maracanã e do teatro que só os conheceu com a presença dela. Usou os domingos para trabalhar como biscateiro, mas à faculdade a todos os filhos ele levou. Formou doutor e professores. Formou homem e mulheres. Hoje, no aniversário da moça que foi um dia, ela conta a forma carinhosa como Deus levou o seu companheiro para o lado dele. Levou um exemplo que ele, Deus, nos deu como filho. O verdadeiro filho do Homem.
Parabéns Maria, pelo seu aniversário e pelo amor único que tu deste ao homem que de tão digno, de filho me chamava.
[A você, mulher dos olhos de todas as cores onde o verde predomina e que ao meu lado ouviu, entre lágrimas, o conto que eu conto, o meu beijo de companheirismo e de amor].
silvioafonso.
